RELEMBRANDO O QUE É UM ÍCONE
- Ícone significa Imagem
- É como uma janela aberta para os mistérios de Deus
- Diz-se que um ícone é escrito porque reescreve passagens
bíblicas
- É escrito com traços simplificados e cores vivas porque
fala da fé e de um jeito novo e diferente de viver, ao jeito de Deus e do seu
Reino. Fala então de outras lógicas, diferentes das nossas.
- Para que serve?
Serve para ler as Boas Notícias do nosso Deus de maneira
mais visual e para assim ajudar a reflectir e a meditar sobre os mistérios e
pessoas neles representados.
Serve para orar diante deles como estando verdadeiramente
diante do que está representado, tendo assim para onde olhar e deixar-se olhar
por ele.
ÍCONE DA CRUZ DE S. DAMIÃO
Este ícone é bizantino, do século XII, foi encontrado por Francisco de Assis, numa igreja em ruínas dedicada a S. Damião, daí o nome do ícone ser chamado de Cruz de S. Damião. Pensa-se ser da autoria de um desconhecido iconógrafo italiano. O ícone foi elaborado em tela colada sobre madeira de nogueira e mede 1,90 m de altura e 1,20 de largura.
Não é possível apanhar toda a força da Vida que é anunciada
e festejada neste ícone sem antes ter presente os momentos que o antecedem.
Jesus foi condenado à morte. Foi assim que terminou a sua
vida cheia de opções. Porque o seu jeito de viver anunciando o Reinado de Deus
já presente, já próximo.
Foi condenado à morte para servir de exemplo a todos os que
tivessem vontade de levantar a voz contra a opressão e tudo o que desumaniza.
Jesus era visto como perigoso porque cativava multidões, e bem sabemos como é
influenciável uma multidão… bastava uma palavra de Jesus e todos pegariam em
armas para, com violência expulsar o império que os oprimia… e ficariam muito
mal também os poderes religiosos que ocupavam os seus lugares porque pactuavam
com essa opressão. Então sentiram ser urgente calar Jesus de uma vez para sempre.
Jesus foi condenado à morte pela tortura numa cruz. O meio
de tortura que conduzia à morte mais cruel e doloroso daquela época. Muitos
morreram assim às mãos dos romanos. Jesus deixou-se entrar nesse circuito de
violência, dor e morte. Deixou-se entrar porque não quis fugir – com essa
atitude negaria tudo o que tinha vivido e anunciado – e também não quis
responder com violência à violência. É por isso não o vemos resistir nos
relatos dos evangelhos, nem recuar, nem actuar, sempre com uma atitude absolutamente
desconcertante quebrando essa espiral da violência que gera violência.
COMO É QUE NOS MORREU O NOSSO JESUS?
A execução desta maneira tinha o objectivo claro de ser um
acto público para provocar a humilhação e o medo.
O local era propositadamente escolhido para chocar o maior
número de pessoas exactamente à entrada da cidade. Todos os que peregrinavam
até à cidade santa tinham que assistir àquele “espectáculo” para perceberem
qual era o resultado da má conduta diante do poder romano estabelecido.
Qualquer “herói”/mártir ou malfeitor que fosse condenado a
morrer deste modo era ridicularizado, humilhado ao extremo: os condenados eram
crucificados nus. Com Jesus não terá sido diferente.
Eram pregados pelos pulsos e pelos pés ficando assim
pendurados. O condenado vivia o tempo que conseguisse ter forças para se erguer
e poder respirar. Acabando-se as forças para se erguer morria asfixiado. Isso
podia levar mais que um dia dependendo das condições físicas do condenado e se
era necessário apressar o processo eram-lhes quebradas as pernas para que já
não pudessem erguer-se e respirar.
Certamente nos interessa saber como é que morreu alguém que
é nosso, alguém que amamos. É importante, sobretudo, ter a noção clara de que
tudo isto “doeu” mesmo a Jesus e foi mesmo humilhante (era de tal modo
vergonhoso e provocava tal medo que os discípulos fugiram todos nessa hora,
envergonhados pela humilhação, impotência do Mestre que seguiam… desiludidos
com ele.
Tendo tudo isto presente podemos então começar a ler o ícone,
porque o que temos diante de nós é o Hoje que acontece, depois da morte de
Jesus.
Textos: Apocalipse 1, 17-18; João 21, 1-14
Temos no topo do ícone alguém a quem não vemos o rosto, só a
Mão Direita num semi-círculo. É a Mão Direita de Deus, Aquele que cria e
recria, levanta e salva. É a mesma Mão que tirou o povo de Israel da escravidão
do Egipto.
É a Mão que confirma a vida inteira de Jesus e o reconhece
como Filho, por isso é a Mão que o levanta/suscita da morte e lhe dá a Vida, da
Sua Vida, da Sua Festa.
Vemos no ícone como Jesus, num permanente movimento de
subida para o Pai é acolhido pela Corte dos anjos em festa, ele é acolhido no
Seio da Família de Deus.
O jeito de viver de Jesus é reconhecido por Deus como o Seu
próprio jeito de viver e actuar, Jesus é o que cumpre o Seu projecto de maneira
absoluta.
Estes 10 anjos – número que representa a plenitude, a
perfeição, o próprio Deus – reconhecem Jesus e estão felizes com a sua chegada.
Os anjos são a personificação da acção de Deus na humanidade.
Dizer que Jesus foi ressuscitado por Deus é dizer que o Céu
se espalhou por todo o lado e por todos os tempos. É o Deus que não está só nos
Céus como que separado da Humanidade, mas está espalhado por todo o lado.
O círculo em que Jesus sobe é símbolo também de perfeição e
o vermelho vivo é o símbolo da Vida.
Leva as vestes sacerdotais porque ele é o Sumo-Sacerdote
definitivo e eterno da Nova Aliança.
JESUS COM A VESTE DAS FUNÇÕES SACERDOTAIS
Passamos agora a outro círculo que é o dourado que circunda
completamente a cabeça de Jesus como um Sol que ilumina tudo.
Os círculos aumentam de tamanho de cima para baixo como se
nos conduzissem numa importante sequência, ao nosso encontro.
O QUE SIGNIFICA DIZER QUE JESUS É SUMO-SACERDOTE?
Toda a Carta aos Hebreus fala disto porque trata da passagem
da Antiga Aliança para a Nova Aliança inaugurada por Jesus.
- Os Sacerdotes da Antiga Aliança precisavam de se separar
do povo para realizarem a sua função. MAS Jesus, o Sacerdote da Nova Aliança,
não se separa nunca do povo, pelo contrário, ele comunga plenamente com o povo,
com a Humanidade, prova de tudo, experimenta tudo como nós – menos o pecado.
- Os Sacerdotes da Antiga Aliança, antes de exercer as suas
funções em favor do povo diante de Deus, precisavam de as exercer primeiro por
si mesmos por serem eles também pecadores.
Voltavam-se para si mesmos antes de se poderem voltar para o
povo. MAS na Nova Aliança inaugurada por Jesus Sumo-Sacerdote, ele está
permanentemente voltado para o povo, em nenhum momento deixa de estar voltado
para nós porque não precisa de exercer as funções por si mesmo já que não tem
pecado.
Jesus é uma nascente contínua de Cura e de Vida.
- Todos os Sacerdotes da Antiga Aliança eram transitórios.
As suas funções terminavam. MAS a função do Sumo-Sacerdote Jesus, na Nova
Aliança, não acaba nunca e é eficaz, porque ele está vivo, connosco, SEMPRE. A
sua mediação entre Deus e os Homens não acaba nunca.
É assim que Jesus está representado no ícone… em funções.
É o Novo e definitivo David.
É o Novo e definitivo Sacerdote.
No livro do Êxodo encontramos o relato de David, que sendo
Rei e por isso Sumo-Sacerdote, usava o mesmo traje quando levava, em procissão
com todo o povo, a arca da aliança para o Templo. Pelo caminho paravam várias
vezes para fazer o ritual do sacrifício de animais, degolando-os, e depois
aspergindo o sangue pelo povo.
Aspergir sangue era um gesto de grande bênção, era um grande
dom. Como o sangue, naquela cultura, simbolizava fortemente a vida, receber o
sangue aspergido era receber vida (conhecemos a aspersão pela água baptismal,
um gesto cuja origem poderá ser esta)
Neste ícone vemos como Jesus asperge do seu próprio Sangue,
ou seja, da sua própria Vida Ressuscitada a todos sem excepção, por isso se vê
a jorrar vivo através dos sinais visíveis da sua morte.
Ele não está pregado, avança para nós, um pé a seguir ao
outro, devagar, sem nos invadir nem se impor, e oferece o Dom da sua
Vida/Sangue em abundância e continuamente a nós.
A Ressurreição de Jesus não apaga a sua história, nem Jesus
se envergonha dos sinais da sua morte. São feridas que não estão cicatrizadas,
tal como aquela ruga na testa representa o sofrimento que passou e representa
agora a plena comunhão com todos os que sofrem. Ele continua a “sangrar” com
aqueles que “sangram” porque está absolutamente em comunhão connosco.
Esses sinais são, ao mesmo tempo e de maneira plena, DOM e
COMUNHÃO.
Dom de Cura e de Vida
e Comunhão com o nosso sofrimento.
Texto: Hebreus 4,14-16
O QUADRO DAS TESTEMUNHAS
Do lado esquerdo de Jesus estão representadas as mulheres
que, nos Evangelhos, foram presença constante no seguimento de Jesus, mesmo no
momento da cruz. Aqui está Maria de Magdala e Maria mãe de Tiago que também
falam entre si.
O gesto da mão junto do queixo tanto da Mãe de Jesus, como
de Maria de Magdala parecem sugerir que todos estes mistérios as deixam
pensativas, a meditar no seu coração em tudo o que dizia respeito a Jesus.
Está presente também um Centurião Romano, o único que não
apresenta auréola, o único que não terá convivido com Jesus mas aqui faz parte
das testemunhas principais. Estaria talvez responsável pela execução de Jesus.
No momento da morte o Centurião o reconhece de alguma maneira e proclama uma
exclamação de fé:
“Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!”
Ele olha directamente para Jesus como quem inicia agora uma
caminhada de fé de olhos postos nele.
Atrás dele vê-se uma outra figura que olha também fixamente
para Jesus e atrás deles uma multidão de pessoas que se aproximam à espera de
entrar no mistério da Vida Ressuscitada de Jesus para ver e acreditar.
Atrás do Centurião romano, pagão, está toda a “descendência”
de pagãos atrás dele, onde estamos nós também.
Duas figuras menores se apresentam abaixo, uma de cada lado.
O romano que, com a lança terá trespassado o peito de Jesus,
depois de já morto e que também tem nome segundo a tradição – Longinus.
A outra personagem é misteriosa. Não tem nome, é um ancião,
e apresenta uma atitude corporal desafiante com o rosto de perfil e é a única
personagem em todo o ícone de boca aberta.
Parece dizer:
Mt 27, 40-43
Nas antigas normas iconográficas, quando um rosto era
representado de perfil significava a personificação do Mal, da Divisão.
“Se és…” “Se ele é…” tal como nas tentações do deserto. Esta
personagem mostra-nos como Jesus é um de nós porque foi tentado em tudo, como
nós.
A boca aberta, segundo a tradição dos ícones é escandalosa
porque todos os ícones são silenciosos e convidam ao sossego e à meditação.
Esta personagem parece cheia de ruído.
GALO
Está representado sobre um circuito negro. O negro simboliza
o mal e o pecado.
Vemos como este circuito circula por todo o ícone, mas não
se completa. A vitória de Jesus sobre a Morte, o Mal e o Pecado quebra os seus
circuitos negros não os deixando atingir o seu fim último.
Vemos circuitos completos, a toda à volta, de cor vermelha e
dourado. Vermelho, mais uma vez símbolo da Vida. Dourado símbolo da Luz e da
Vida de Deus.
Os pés de Jesus estão acima de uma base negra também. É
Jesus que caminha ao nosso encontro vitorioso sobre o Mal e não é engolido por
ele. Tal como no relato em que Jesus caminha sobre as águas (que é outra
simbologia do Mal)
Jesus é Vencedor, e Deus no-lo dá!
Apocalipse 7, 9-12
Apocalipse 5, 11-12
Apocalipse 19, 6-9
3 comentários:
Obrigada Susana pela belíssima explicação de tão belo ícone.
Este é um ícone que até possuo, comprei esta cruz um dia destes por impulso e quanto mais a contemplo mais ela fala comigo.
Obrigada.
Shalom
Fico feliz por ti, Carla! Se de alguma maneira tiveres possibilidade, podes arranjar um "cantinho de oração" onde colocar o ícone...
abraço
SHALOM
....Muito profundo...fala na alma e com a alma!
Enviar um comentário