sábado, 9 de abril de 2011

Ícone da Reanimação de Lázaro




Ícone Russo da Escola de Novgorod
séc XV

“… ao chegar Jesus encontrou-o sepultado havia quatro dias. Betânia ficava perto de Jerusalém, a quase uma légua. E muitos judeus tinham ido visitar Marta e Maria para as consolarem a respeito do irmão. Quando Marta ouviu dizer que Jesus chegava, foi ao encontro dele, mas Maria estava sentada em casa.

Marta disse, então, a Jesus: «Senhor, se Tu estivesses aqui, o meu irmão não teria morrido; mas, também sei que agora, as coisas que pedires a Deus, Ele tas dará.»
Disse-lhe Jesus: «Teu irmão ressuscitará.»
Marta respondeu-lhe: «Eu sei que ele há-de ressuscitar na ressurreição do último dia.»
Disse-lhe Jesus: «Eu sou a Ressurreição e a Vida; o que crê em mim, mesmo que se morrer, viverá, e todo o que vive e crê em mim não morrerá para sempre; crês nisto?»
Ela respondeu-lhe: «Sim, Senhor; eu creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus que ao mundo vem.»

Dito isto, ela partiu e foi chamar sua irmã, Maria, secretamente dizendo: «O Mestre está aqui e chama-te.» Assim que ela ouviu isto, levantou-se depressa e foi ter com Ele; Jesus ainda não tinha chegado à aldeia, mas estava ainda no lugar onde Marta lhe viera ao encontro. Então, os judeus que estavam com Maria, em casa e a consolavam, ao ver que se levantou depressa e saiu, seguiram-na, pensando que se dirigia ao túmulo para aí chorar.

Quando Maria chegou ao sítio onde estava Jesus, mal o viu caiu-lhe aos pés e disse-lhe: «Senhor, se Tu estivesses aqui, o meu irmão não teria morrido.»
Ao vê-la a chorar e os judeus que a acompanhavam a chorar também, Jesus suspirou profundamente e comoveu-se, e disse: «Onde o pusestes?» Responderam-lhe: «Senhor, vem e vê.»
Jesus chorou. Diziam os judeus: «Olhem como era seu amigo!»
Alguns deles diziam: «Então, este que deu a vista ao cego não podia também fazer com que este não morresse?»

Jesus, suspirando de novo intimamente, vem para ao túmulo. Era uma gruta e uma pedra estava colocada sobre ela.
Disse Jesus: «Tirai a pedra.»
Marta, a irmã do morto, disse-lhe: «Senhor, já cheira mal porque é o quarto dia.»
Jesus replicou-lhe: «Eu não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?» Então tiraram a pedra.
Jesus, levantando os olhos ao alto, disse: «Pai, dou-te graças porque me ouvistes. Eu já sabia que sempre me ouves, mas Eu disse isto por causa da gente que me rodeia, para que venham a crer que Tu me enviaste.»
Dito isto, bradou com voz forte: «Lázaro, vem para fora!» O que estava morto saiu de mãos e pés atados com ligaduras e o rosto envolvido num sudário. Jesus disse-lhes: «Desligai-o e deixai-o ir.»”
Jo 11, 17-44


Sob um olhar atento...


Não é possível entender o que está escrito neste ícone sem ter uma noção minimanente clara do que o evangelista João escreveu no seu anúncio da Boa Notícia.
Este Icone diz claramente como a Vida de Jesus vence a Morte. Um dualismo aqui presente como num diálogo entre dois coros, o grupo da direita e o grupo da esquerda. E quando digo que Jesus "vence" no presente é mesmo isso. O Espírito de Deus está a "mexer", não pára, de maneira misteriosamente contínua, permanentemente actua através do "braço de Deus" na Vida de Jesus Vivo.
Este escrito em traços e cores fala o que diz João: Este é Jesus já ressuscitado por Deus, que chora e comove-se com os que choram e se comovem com a partida daqueles que mais amam. Não lhe metem medo, não lhe causam impressão nenhuma e menos ainda são obstáculo para ele os maus cheiros da podridão de qualquer morte nossa.
 
Aqui está o ponto de encontro entre o cortejo da Vida e o cortejo da Morte.
É Jesus que vai à frente, seguido dos discípulos, a encabeçar o primeiro coro.
No segundo coro estão os judeus que acompanham e consolam as irmãs de Lázaro que estão mais abaixo Maria e Marta. Entre as irmãs e o grupo dos judeus está o jovem que retira a pedra da entrada do túmulo.
Por último, Lázaro.
 
Apenas duas pessoas são representadas com o halo dourado ao redor da cabeça. Jesus ressuscitado e aquele que ele reanima.
Toda a cena fala destas figuras principais. Na verdade este é uma catequese escrita para catecumenos, para aqueles que se preparavam para receber o baptismo de Jesus. Esta é uma catequese sobre fazer morrer o Homem Velho (segundo diz S.Paulo) e fazer viver o Homem Novo.
 
Sabemos que este é o momento em que Jesus fala em voz alta e com autoridade "Lázaro, vem para fora!", no entanto Jesus está de boca fechada, como é típico de todos os ícones.
Os rostos serenos, indignados ou incrédulos, ainda que de boca fechada "dizem" tudo, todos os pormenores e gestos falam silenciosamente e nos convidam assim ao Silêncio e à Contemplação do Mistério da Vida e da Morte.
 
Jesus tem o seu braço estendido... e esta expressão "braço estendido" remete-nos imediatamente a outro relato bíblico.
"Eu sou o Senhor, e vos farei sair do peso dos carregamentos do Egipto, hei-de libertar-vos da sua servidão e resgatar-vos com braço estendido e com grande autoridade" Ex 6,6
 
Será aquele jovem, o jovem povo de Israel, que na sua mocidade era escravo e carregava pedras no Egipto? Estava como que condenado à morte, inclinado por causa do peso da escravidão.
 
Que braço estendido e que voz poderosa é aquela senão a do próprio Deus que, através de Jesus ressuscitado, resgata o seu povo?
O gesto da Mão que ordena com autoridade e liberta ("Lázaro, sai para fora"; "Desligai-o e deixai-o ir") é exactamente o centro de todo o Ícone.
(A figura deste braço e mão, teremos oportunidade de os rever em inúmeros ícones como única representação de Deus Pai)
 
Prostradas, em sentido contrário ao do jovem prostrado, estão Maria e Marta.
Marta é aquela que se mostra pensativa como que a duvidar e a interrogar-se. Maria está numa atitude totalmente adorante, é mais uma vez aquela que se coloca aos pés de Jesus (Lc 10,39; Jo 12,3) (de mãos cobertas - na tradição bizantina é um profundo sinal de respeito).
 
Entre os judeus destaca-se aquele que mostra a Jesus com o seu gesto do quanto já cheira o corpo em decomposição, nem se dando conta de que Lázaro está de pé e de olhos abertos, de que está vivo.
Também se destaca aquele judeu que apresenta uma mão coberta (sinal de respeito e fé), mas a outra mão parece querer interpelar Jesus.
Num grupo mais pequeno atrás, os judeus parecem murmurar entre si acerca do que se passa, talvez a planear a condenação de Jesus (Jo 11,45-49).
Um outro judeu se destaca, aquele cuja mão parece querer afastar/recusar a mão estendida de Jesus, este não tem os olhos postos em Jesus.
 
 
 
Sob um olhar orante...


Quase ouço Jesus dizer:
 
A ti, que te chamo pelo nome, digo com autoridade: "Sai para fora desse 'Egipto'!"
Deixa que os teus irmãos de caminhada te ajudem a desligar-te de todas as mortes e escravidões que te prendem e não te deixam viver...
Vai...
Nunca te deixes morrer sozinho numa gruta qualquer de isolamento sem sentido, fechado por fora, de tal maneira que já nem tu próprio consigas abrir de novo a porta.
Sim, às vezes a tua podridão já cheira mal por tantos dias que te deixas estar morto, mas nem isso me impede de acreditar em ti, de apostar em ti, de esperar de ti o melhor que és.
 
Sou eu mesmo que peço aos teus irmãos: "Tirem a pedra"
 
A ti, que te chamo pelo nome, digo com autoridade: "..........., sai para fora desse 'Egipto'!"


Sou eu mesmo que digo aos teus irmãos: "Desliguem-no e deixem-no ir"


1 comentário:

Carla Rocha disse...

Olá,
Muito Obrigada por este belissimo ícone e pela sua leitura.

Shalom